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quarta-feira, 10 de julho de 2013

Pisantes




Ela que sempre foi alucinada por sapatos, agora contempla a vitrine sem que o coração palpite e o cartão de crédito - estourado - se revire da carteira.
Entrou na loja calmamente  e chegou a espiar  a seção de 50% OFF. Olhou, mexeu, avaliou e depois de algum tempo concluiu que eram todos tão iguais que não se encorajou.
Sempre soube do poder de um salto. Os dedos poderiam estar esmagados, o calo doendo, a joanete latejando... mas o salto sempre deu aquela alongada que valoriza qualquer perna.
A grade de números nunca foi problema, afinal: (...)O 36 acabou, mas leva o 35 porque a forma é grande (...)
Mas não neste dia. Algo havia mudado com a mudança das folhinhas do calendário.
Já passara dos 35, e salto nenhum operava o milagre da perna alongada e da postura ereta.
Ainda usava os últimos exemplares que guardava com carinho. Souvenir de uma época de muito glamour e pés esfolados.
Ainda mantinha a postura soberana quando subia em seu pedestal particular. Mas bastava que, ao meio do expediente alguns lances de escada lhe cruzassem o caminho e pronto.
O incomodo insuportável de pés quase na vertical se sobrepunha a todo e qualquer requinte que o salto lhe concedia.
Os joelhos dobravam, as costas arqueavam e os pés se arrastavam numa suplica sem fim.
E foi num dia de tortura extrema aos pezinhos que decidiu que o reino dos 10 cm a mais a qualquer custo havia caído por terra.
Saiu do trabalho cambaleante e parou em frente a vitrine. A mesma que mantinha sobre ela o poder da hipnose.
30 minutos depois, teve a certeza de que estava curada.
Saiu calçando o mesmo sapato trucidante que lhe levou até lá. Pés destroçados, conta corrente preservada e dignidade recuperada.
E foi assim que, ao chegar em casa, se livrou do objeto de tortura e providenciou o mais delicioso escalda pés em água morna e ervas aromáticas.
 Assumiu então, para si e para o mundo, um relacionamento que há tempos ela tentava em vão resistir: O de seus pés, com um belo par de pantufas.

E percebeu assim, que glamour e atitude nunca chegaram a seus pés. Nem através deles.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

A melhor amiga. Ou não.



Eu tinha 8 anos quando conheci minha primeira melhor amiga.
Mudei para aquela casa nova, naquele bairro novo e não lembro ao certo em que momento nos cruzamos, mas é provável que o encontro tenha sido promovido pelo jogo de vôlei no meio da rua.
Estávamos em meados de 1989/90, onde o Facebook da época era o Questionário feito em cadernos cuidadosamente customizados, muito embora essa palavra provavelmente ainda não tivesse nascido. Lembro também das gigantes coleções de Papéis de carta pelas quais até hoje eu lamento não ter guardado um exemplar que fosse de recordação.
A Gabi era a minha melhor amiga desde sempre, e eu enchia a boca pra falar isso. Adorava ela, admirava, imitava, dividia tudo com ela e estava sempre disponível para o que fosse sempre que ela precisasse.
Até aí, nada de errado. O problema é que eu realmente estava disponível sempre, mas ela só me “solicitava” quando realmente precisava.
Não acho que ela não gostasse de mim. Gostava claro. Fizemos um milhão de coisas juntas. Da infância até meus 21 anos, fomos além de amigas, vizinhas também. Passamos por todas as fases. Estudamos na mesma escola, tivemos a mesma turma, os mesmos “paqueras” até.
Mas de sua parte, nunca senti que houvesse o mesmo carinho e entrega da amizade que eu nutria por ela.
Não foram poucas as vezes em que voltava pra casa chorosa,  quando em algum episodio sentia seu desprezo. Disfarçava, dizia para mim mesma que eu deveria estar enganada e no dia seguinte contava as horas pra poder chama-la pra brincar novamente.
De fato, sempre tentei contornar. Normalmente tentava me convencer que era apenas o jeito dela (e talvez fosse realmente só isso), mas que no fundo ela também me concedia o titulo de melhor amiga.
Talvez eu simplesmente quisesse ter uma melhor amiga e a elegi sem que sua candidatura estivesse lançada.
O tempo passou, ela casou, engravidou, mudou de casa. Não necessariamente nessa ordem.
O tempo passou, eu casei, engravidei mudei de casa, de cidade, de estado. Não necessariamente nessa ordem.
Eu não sei onde ela mora, onde trabalha nem os lugares que frequenta.
Eu não conheço seus filhos. Ela tampouco à minha.
Suponho que ainda moremos na mesma cidade, mas como ela não tem conta em redes sociais não posso afirmar.
Há alguns meses cruzei com ela em um shopping, e de longe reconheci.
Me senti alegre, como alegre ficava todas as vezes que ela me chamava no portão para brincar.
Acenei, ela estava acompanhada de uma criança que suponho, seu filho. Ela não me viu, pensei.  Apertei o passo, sorri e continuei acenando e seguindo em sua direção.
Ela me viu. Mas por algum motivo virou o rosto e desviou o olhar no horizonte, disfarçou vendo alguma vitrine e preferiu não me reconhecer. Não foi rude, nem teria motivos para isso, já que nunca nos desentendemos. Apenas preferiu não me ver, não fazer contato.
Engraçado como as sensações de rejeição voltam a tona quando uma experiência se repete.
Respeitei. Disfarcei com qualquer coisa ao redor, e mudei de direção. Não quis o constrangimento de ficar frente a frente e deixa-la na obrigação de um cumprimento ao menos.
Nunca mais a vi. Continuo sem entender sua atitude, embora respeite absolutamente seu direito legitimo.
Ainda não discuti esse tema em terapia, mas talvez venha fazê-lo um dia, mas faço cá minhas análises nessa autoterapia que a escrita me permite.
Não sofro com esse assunto racionalmente. A gente vira adulto e em algum momento tem coisas mais importantes com que se preocupar.
Mas a vida, sempre tão certeira, por vezes me faz refletir sobre essas e outras questões sobre pessoas que passam em nossas vidas.
Encontrei muitas melhores amigas (o)s pelo caminho. Um time deles. Um time de primeira diga-se. Amigas a quem eu posso ficar meses a fio sem ver, mas que ao vê-las certamente sem a menor cerimonia me deixarão sentar e colocar os pés no sofá tomando um café requentado como se tivéssemos nos visto a ultima vez há algumas horas somente.
Amigas a quem posso receber de havaianas, meia e roupão e mesmo assim nossos encontros serão memoráveis. Amigas que me conhecem do avesso e do primeiro ao quinto e que mesmo assim, acreditem, permanecem.
Só posso concluir que eu sempre tive não uma, mas muitas melhores amigas. Algumas sempre estiveram por perto.  Outras chegaram mais tarde. Algumas ao alcance quase que diário. Outras que só com agendamento prévio. Culpa da correria generalizada de nossas rotinas.  Mas que nunca saíram do posto. Nem sairão.
Que bom que eu soube reconhece-las. Que bom que não deixei de acreditar o quão precioso é ter amigos.
Tomara que a todos eu tenha me doado sem me economizar, mesmo para os quais meu tempo seja escasso.

Então tá!

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Sombrinha


- Está chovendo Clara, você não tem sombrinha?
- Tenho...quer dizer, devo ter. Se tenho deve estar em alguma gaveta na minha casa - respondo.
- Mas você não anda com ela?
- Não...a menos que ao sair de casa eu perceba uma chuva torrencial que me impeça de chegar ao carro, não.
- Mas Clara, sombrinha tem que andar sempre na bolsa. Eu nunca tiro a minha de lá, quando chove estou sempre prevenida.
- Jura Mel? Tipo...sempre? Mesmo quando não chove?
- Claro, sempre! A gente nunca sabe quando vai chover...
- (pausa reflexiva)
- Ah, eu já perdi algumas sombrinhas esquecidas em lugares diversos e até hoje desconhecidos...talvez por isso tenha desistido delas, sei lá.
- Tá bom Clara, vem que eu te levo até o carro de carona na minha inseparável sombrinha...risos.

Aceitei a carona. E aquele breve diá
logo me acompanhou no trajeto de volta.
Não menti sobre o fato de ter um patrimônio considerável de sombrinhas perdidas pelo mundo, mas de fato não sei se é só isso.
Acho que nunca é SÓ isso.
Desconfio que não carrego sombrinhas porque não quero me prevenir da chuva. Nem do sol, nem do vento, nem de nada.
Não me entendam mal. É claro que eu não curto tomar banho de chuva em pleno horário de almoço e ter de voltar ao trabalho com o cabelo virado num fuá e a maquiagem escorrendo.
Mas não quero esse plano de prevenção a qualquer custo.
Esse compromisso de avaliar todas as probabilidades, inclusive as meteorológicas.
Talvez por preguiça, mas talvez por me sentir mais leve.
Afinal, sombrinhas também pesam.

Então tá!