Contador de visitas

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Mulher de Novela



As mulheres de novela dormem maquiadas e acordam intactas e sem olheiras.
Na vida real, a pessoa tenta tirar a maquiagem antes de dormir e mesmo assim acorda com um desenho abstrato preto no rosto. Delineador vagabundo!
Ela dorme sem desarrumar a cama e sem derrubar os travesseiros no chão.
A mulher real costuma acordar com o edredom embolado e a cabeça pra fora da cama.
Ela usa um chambre de cetim que não amarrota, um rímel que não escorre e um cabelo que não desgrenha.
Mulher de verdade usa pijama de algodão, um rímel que gruda as pálpebras e não permite abrir os olhos pela manhã. O  cabelo dispensa comentários
Suas pantufas são de salto e enfeitadas de plumas.
Mulher de verdade tem uma pantufa de pelos ou um havaianas
O espelho do seu banheiro, é sempre igual ao do melhor camarim de Hollywood.
O da vida real normalmente é um 3x4 com uma lâmpada que faz sombra e aumenta as olheiras.
Sua janela dá sempre de frente para o mar e quando abrem as cortinas o dia é sempre ensolarado.
As janelas da vida real as vezes emperram, mas quando abrem normalmente está chovendo. Ou então o asfalto está fritando num calor africano. Não existe o meio termo.
Seu quarto fica sempre no andar de cima, e a escada suntuosa cai sempre numa sala vasta e arejada.
O quarto da vida real fica normalmente perto da cozinha e do banheiro.
Seu café da manhã está sempre posto quando ela acorda.
A mulher real normalmente toma café a caminho do trabalho, quando toma. Ou então, um requentado do dia anterior, com duas bolachinhas água e sal degustado a beira da pia, enquanto o banheiro está ocupado.
A mesa delas é farta e normalmente composta de frutas de todas as estações, sempre reluzentes.
A realidade é que a fruteira da casa da gente está geralmente vazia.
Há sempre um mordomo disponível para servi-las com o mais delicioso suco de laranja.
Normalmente o suco de caixinha da geladeira está acabando e não dá pra encher um copo.
Elas lêem o jornal sentadas à mesa.
Nós, sentadas na poltrona do ônibus.
O pneu do carro delas nunca fura. Quando fura, há sempre um gato pra ajudar na empreitada.
O do carro da gente fura, no meio de um transito infernal, numa estrada sem acostamento e quando acaba a bateria do celular.
Seus filhos são bem educados, falam num volume aceitável e não fazem birra.
Os nossos se atiram no chão no supermercado, dizem sem rodeios que detestaram um presente e correm como animais fugindo do abate quando os mandamos tomar banho.
Elas decidem o que querem no jantar.
Nós, decidimos que não queremos ter de fazer o jantar.
Elas não menstruam, não têm cólicas ou TPM.
Nós costumamos trabalhar “de arrasto” durante aquela interminável semana.
Elas podem sempre usar biquínis: a qualquer hora do dia ou da noite, pois estão sempre bem depiladas e bronzeadas.
Nossos pêlos encravam, e o bronzeado há muito já desbotou.
Elas podem repetir a cena, gravar novamente, cuidar com a luz, o som, a temperatura, o cabelo e a maquiagem, o melhor ângulo.
E quando há uma situação que chegue ao risco iminente: tchanan (musiquinha de suspense):
.
.
.
.
.
 A seguir, cenas do próximo capítulo.

E eis que chega o grande dia, em que, não bastasse todo o resto ela encontrará seu príncipe, e Eles viverão felizes para sempre.

Já sei o que eu quero ser quando crescer: Mulher de Novela.


Então tá.


terça-feira, 21 de setembro de 2010

Não dou pra coisa



Eu nunca fui uma pessoa corajosa. Pelo menos não corajosa no que diz respeito a situações que envolvam adrenalina.
Fico boba com gente que pratica esportes radicais, acho mesmo que deve ser uma sensação pra lá de prazerosa, mas de minha parte, agradeço.
Confesso que até já tentei na adolescência algo nesse sentido mas obtive êxito em nenhuma delas.
Primeiro tentei ser escoteira. Na verdade fui durante uma semana, até que chegou o fatídico dia do acampamento e uma das minhas tarefas era atravessar de um barranco a outro no meio do mato, deitada em cima de uma corda.
Não teve cristo que me fizesse chegar perto do barranco, quiçá da corda.
Passei dois dias “inesquecíveis” e –para mim – aterrorizantes.
Dormi em barraca, fiquei em volta de fogueira tentando impedir que mosquitos me carregassem dali – eu até pensei em usá-los como plano de fuga, mas não rolou.
Caminhei léguas mato a dentro esfolando as pernas, braços e rosto em galhos de árvores e arranquei o couro dos pés calçando uma botina horrorosa. A principio ela deveria proteger meus pés, acontece que com meias pouco apropriadas e os pés molhados- sim, entrar banhado a dentro fazia parte do pacote – elas contribuíram muito para a mutilação dos meus pés.
O banho era de imersão. Não fosse pelo fato de ser num córrego gelado, até me agradaria.
O toque de acordar, as 05h da manhã era bastante sutil. O chefe do grupo passava de barraca em barraca com uma buzina de som estridente ensurdecedor.
Totalmente desnecessário para quem como eu, passou a noite em claro imaginando o momento que algum bicho selvagem invadiria a barraca e devoraria a mim e aos colegas de “quarto”.
O café da manhã era passado numa panela torta e enferrujada, com o pó misturado na água morna. Fiquei só com a água.
Lá pelas tantas me mandaram encher o cantil do pessoal do grupo. Como se eu soubesse o que era isso. Quando eu descobri, me vi com uns 20 exemplares nas mãos. Considerando que a “torneira” natural mais próxima ficada a kms de distancia, e eu teria de levar os tais objetos pendurados no pescoço e depois trazê-los cheios, desejei saber que mal eu tinha feito a vida para estar sendo tão castigada.
Descobri ali meu total desacerto com a vida no campo.
Não gosto de mato, mosquito, fogueira, lampião e tenho verdadeira aversão à barracas. Me convide para acampar e perca a amiga. Me nego.
Desisti de ser escoteira.
Não dei pra coisa.
Certa vez, ainda nessas de testar minha radicalidade, resolvi andar no tal Barco Viking num parque de diversões de um shopping.
Lembro-me perfeitamente das duas subidas e descidas que ele deu, até que minha mãe intercedesse para o “maquinista” parar o brinquedo antes que eu morresse lá em cima. E era realmente uma questão de tempo.
Sensibilizado com minha cor fantasmagórica, o rapaz parou o brinquedo para que eu descesse. E quem disse que eu conseguia descer?
As pernas travaram de tal forma, que um segurança veio me tirar la de dentro. Jurei que nunca mais andaria nesses brinquedos.
Mas, por força da teimosia e do espírito adolescente facilmente influenciável, ainda fiz mais uma tentativa, desta vez num outro brinquedo em um parque do litoral.
Estávamos eu e mais duas amigas, e elas resolveram andar num brinquedo chamado Crazy Dance. O nome era simpático, mas nada mais era do que um negócio que girava sem parar e numa velocidade absurda. Girava para todos os lados possíveis e imagináveis, enquanto eu era sacudida e sentia como se os ossos estivessem soltando do meu corpo um a um. A cabeça, eu tinha certeza, seria desparafusada do pescoço a qualquer momento.
A coisa toda deve ter durado uns três minutos, se muito. Eu chacoalhei durante os três dias seguintes. Com a ajuda de algum ser piedoso, consegui chegar até em casa e vomitar até a alma.
Acordei com a sensação de ter tomado um porre sem precedentes. A cabeça girava e os ossos (aqueles que pareciam ter se soltado do corpo), pareciam ter sido triturados em seguida.
Não dei pra coisa [2]
Mas aí a pessoa cresce, tem uma filha que como toda a criança é uma destemida de plantão. E chega então a fase de levá-la ao parque.
Até que um dia, no parque da Xuxa, ela me convence a andar num brinquedo aparentemente inofensivo, cujo o carrinho dava algumas voltas e caia na água.
Pensei comigo: Não posso decepcionar. Inflei o peito e fui.
Infelizmente, havia uma parte do brinquedo que não era aparente, onde o carrinho descia uma ribanceira monumental antes de cair na tal piscina d’água.
Estávamos só as duas no carrinho. Ela a frente, entre minhas pernas e eu atrás a segurando.
Tudo ia bem, até que enxerguei a ribanceira. Foi a ultima coisa que vi.
Depois da volta completa, eu voltei do transe com a minha filha me sacudindo aos gritos: MANHEEEEE...PÁRA DE GRITAR E ME SOLTA!
Ela me ajudou a descer.
Ela. A pessoinha com 5 anos, me acalmando da histeria.
Hoje, quando minha filha me diz que sonha em conhecer a Disney, já posso vê-la voando as tranças nos mais inimagináveis brinquedos.
E me vejo também. Posando ao lado do Mickey, da Minnie e toda a turma para uma sessão de interminável de fotos.
Dos brinquedos, só chegarei perto para segurar sua mãozinha e levá-la até a fila se for preciso. Mais do que isso, me declaro incapaz.
Ela com certeza irá, pois a coragem que me falta, transborda nela.

A mim, resta a coragem de encorajá-la a fazer algo que eu definitivamente não tenho o dom.

Então tá!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O chato do avião


Eu tenho profunda vocação para o silêncio sepulcral nas primeiras horas da manhã.
Até porque, quem me conhece sabe que eu só acordo mesmo, muito tempo depois de levantar. Nas primeiras horas, todos os movimentos são meio automáticos e totalmente em slow motion.
A sorte é que minha escova de dentes já sabe o caminho da boca, pois nem para isso eu abro bem os olhos.
Entendo perfeitamente que nem todas as pessoas hajam da mesma forma. Tem gente por exemplo que acorda conversando com todos a seu redor como se fosse três da tarde. Outros que acordam ligados no 220W, fazendo várias coisas ao mesmo tempo, ligando a TV, o rádio etc.
Até  aí, nenhum problema. Desde que, é claro, esta outra tribo não me exija reciprocidade.
Não, eu não dou bom dia para as plantas, não saúdo o sol, a chuva ou o vento.
Não rego as plantas ao acordar, não abro as janelas, não checo as correspondências, nem tomo qualquer decisão. Nem mesmo da roupa que vou usar no dia, já que o uso do uniforme me permite economizar neurônios até nisto.
O mais próximo que chego da natureza ao acordar é quando ainda dormindo me enfio embaixo do chuveiro e abro a janela do banheiro pra espiar se preciso ou não levar o guarda chuva.
Pra ajudar, tenho a sorte de usar um meio de transporte bastante confortável a caminho do trabalho e que me permite dormir profundamente na quase uma hora do trajeto casa-empresa.
Janelas fechadas, ambiente quentinho, bancos leitos confortáveis, pessoas educadas e o mais importante: caladas. Eis o cenário perfeito para o meu “sono plus” matinal. Pra ficar bem próximo ao paraíso, só se o trajeto fosse mais longo e eu ficasse ali por horas a  fio. Mas já me dou por satisfeita, pois consigo baixar um pouco meu banco de horas negativo de sono, já que de dormir cedo eu definitivamente já desisti.
O problema de ter tudo assim tão do jeito que me agrade, é que quando preciso por algum motivo sair da rotina, o bicho pega.
Hoje foi um desses dias. Precisei viajar a trabalho e meu vôo para São Paulo estava marcado par as 07h. Isto posto, eu deveria estar no aeroporto as 06h, o que significa que precisei sair de casa as 05h e que portanto precisei acordar as 04h30. Tendo em vista que não há chá de camomila que me faça dormir antes da meia noite, eu havia quando muito, dormido 04 horas.
Dormir 08h para mim é mais do INsuficiente. Eu sempre digo que serei realmente feliz o dia que puder dormir 10,12horas por dia. Ok, preciso continuar jogando na mega sena para isto, mas sonhar (mesmo que acordada) ainda posso não é?
Considerando todos estes fatores, é redundante dizer que fui de arrasto até o aeroporto. Até tentei tomar um café da madrugada manhã, mas não resolveu. Os bocejos pareciam me levar para outra dimensão.
Quando enfim, entrei no avião, mal podia esperar para sentar na poltrona e tentar tirar um cochilo. Tudo bem se as poltronas não reclinam tanto, ou se o espaço entre elas é o mínimo aceitável. Quem se importa com isso, quando as olheiras que vão dos olhos ao queixo clamam por uma cochilada que seja.
Mas nem tudo é perfeito, e não é segredo algum que Murphy me acompanha. Até nas viagens.
O caldo já começou a entornar quando descobri que meu assento era no corredor. Não que eu goste de ver a vista lá de cima. Aliás eu gosto mesmo é de nem lembrar que estou lá em cima. Ocorre que os assentos da janela me dão uma falsa impressão de mais espaço e privacidade. Que seja somente impressão, mas pelo menos consigo me recostar e ferrar no sono sem correr o risco de babar no ombro de alguém.
Enquanto eu torcia pra os dois passageiros que ocupariam respectivamente os bancos da janela e do meio tivessem um mal súbito e não pudessem embarcar, apareceu a felizarda proprietária do assento da janela.
Enquanto eu a olhava e divagava sobre como o mundo as vezes é injusto, visto que a moça estava com uma pele maravilhosa, um cabelo bem escovado e a maquiagem em dia, e que portanto deveria ter tido uma bela e longa noite de sono, chega o “companheiro” do assento do meio. Mal pude concluir meu pensamento que em breve daria conta que a tal moça era um ser humano sem escrúpulos por não ter sequer a sensibilidade de me oferecer para trocar de lugar. Custava perceber que eu mal abrira os olhos? Pessoas cansadas e com sono deveriam ter atendimento preferencial nas empresas. Deveriam poder não ficar em filas de bancos nem de supermercados... Quiçá ter de ocupar o assento do corredor.
Distraída com meus pensamentos direcionados a mocinha desalmada, mal percebi que meu futuro vizinho de banco esperava quase debruçado por cima de mim que eu levantasse pra ele poder passar.
Dei passagem meio a contragosto. Afinal,que jeito?
Esperei que ele se recompusesse da maratona de passar dentre as poltronas apertadas e sentei para tentar folhear minha revista.
A medida que o cidadão espichava os olhos para a página que estava lendo e me olhava como quem quisesse debater a matéria publicada, eu ia fechando a cara e dando um jeito de colar os olhos na revista para que por fim ele percebesse meu interesse e não ousasse invadir meu silencio matinal e vetar qualquer possibilidade de aproximação.
É óbvio que não adiantou.
Ele agüentou até que o avião decolasse, mas não conseguiu mais se conter e disparou com um sotaque estranho, quase paraguaio:
-Sabia que é a primeira vez que viajo no meio de duas mulheres caladas?
Não consigo certamente descrever com perfeição meu semblante ao ouvi-lo. Mas ele girava em torno da incredulidade.
Não consegui responder nada além de balançar a cabeça e dar um sorriso amarelo que se aproximava muito de uma rosnada.
Cogitei responder que eu adoraria continuar calada o restante da viagem, mas preferi que meu silencio lhe servisse de resposta.
Ele não se deu por satisfeito (o chato é sempre um persistente)
- Isso é comum aqui no Brasil?
Fechei a revista e o encarei firmemente na esperança de que ele lesse minha legenda cerebral que gritava em caixa alta: NÃO.COMUM É AS PESSOAS SENTAREM QUIETAS SEM PUXAR ASSUNTOS IDIOTAS COM DESCONHECIDOS.
Mas ele não leu e eu com muito esforço consegui levantar os ombros sem entender onde é que ele queria chegar com aquele papo aranha.
Voltei os olhos para revista e a aproximei o máximo que pude do rosto para o desavisado perceber que eu definitivamente não queria papo. Mas ele deve ter no máximo concluído que eu era míope e não surda.
Como eu disse, a persistência é a virtude máxima dos chatos. Ele não se fez de rogado:
- Vocês brigaram? (apontando para mim e para a moça felizarda da janela que dormia o sono dos justos).
- Não Senhor. Eu nem a conheço.
Fechei a revista num movimento brusco, enfiei os óculos e fingi que estava dormindo, virando para o outro lado. Digo fingi, porque aquelas alturas o sono já não me era tão presente quanto a irritação que o individuo me causou.
Fiquei ali firme o forte de olhos cerrados pensando em como me controlar se ele me dirigisse a palavra outra vez. Juro que cheguei a planejar dizer que não podia falar porque tinha arrancado o dente siso, mas o inconveniente certamente ia querer maiores explicações ou usaria minha resposta como desculpas para dissertar sobre o assunto.
Comecei depois de alguns minutos a ouvir um ruído estranho e espiei levemente entre as pálpebras com medo de ser pega em flagrante na minha farsa do sono forçado. Descobri então que o ruído era produzido pelo ronco do chato.
Porque é claro minha gente: chato que é chato, não perde a majestade nem quando está dormindo.

Então tá!